Pego a ponte aérea de volta para casa. É o último voo de SP para o Rio e o avião está lotado. Estou acomodado na poltrona do corredor. À minha frente, na janela, vejo uma atriz conhecida (não vou falar o nome) tentando ler um livro. O passageiro ao lado, impiedosamente, a criva de perguntas. A atriz, simpática e solícita, larga o livro e passa a responder ao questionário do recenseador diletante. Olho para o meu livro, satisfeito (o nome do livro eu falo no fim da crônica), e agradeço o silêncio respeitoso de meu vizinho de poltrona. Mas, como diz o ditado, o que é bom dura pouco.
Por Tony Bellotto“E essa história da Ivete Sangalo no Rock’n Rio, hein?”.
“Oi?”.
“Essa história da Ivete Sangalo cantar no Rock’n Rio, o que você acha disso?”
O sujeito deve ter uns trinta anos de idade, tem a barba por fazer e usa óculos fashion de aros vermelhos.
“O que eu acho da Ivete Sangalo cantar no Rock’n Rio? Acho ótimo”.
“Mas a Ivete não faz rock! Acho ela linda, o máximo, tudo de bom, mas não canta rock”.
Ai, ai.
“Tudo bem. Rock é um conceito que já incorporou muitas outras linguagens, como o jazz. O que chamamos de rock, hoje em dia, é uma vasta vertente da música pop que mistura ritmos negros, samba, axé, reggae, rap, canções românticas, country music, baladas celtas, funk e até, eventualmente, rock”, explico, como um catedrático entediado.
“Mas a Ivete não é rock”.
“Tampouco o Rock’n Rio se propõe a ser um festival de rock purista. O Rock’n Rio é um grande evento comercial e precisa de estrelas de primeira grandeza, como a Ivete, para atrair grandes públicos. Não sei se você já era nascido no Rock’n Rio I, mas lá se apresentaram Ney Matogrosso, Gilberto Gil e James Taylor. Estes caras também não são músicos de rock. Que eu saiba”.
“Mas as coisas mudaram de lá pra cá”.
“É verdade, mudaram”, concordo. “As coisas costumam mudar”.
Desvio um olhar de soslaio para meu livrinho. Ai, ai. Meu interlocutor – que até então permanecera olhando para frente, como uma esfinge -, vira-se então para mim e esboça um sorrisinho sarcástico: “Os Titãs também não são mais os mesmos de antigamente…”, dispara, provocador, os olhinhos brilhando sob as lentes fashion. “Nem você. Ou você já nasceu com essa barbinha e esses óculos in-crí-veis?”.
A questão fica sem resposta e o colóquio desmorona no abismo do silêncio. Sorrio satisfeito, e retorno à leitura de meu livro.
Livr0…
… O livro que eu estava lendo, Point Omega, de Don DeLillo, um dos mais instigantes autores contemporâneos. Fonte: Veja- Abril
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